terça-feira, 29 de janeiro de 2008

O Mercado de consultoria na opinião de um consultor

O Mercado de consultoria na opinião de um consultor

Por Rafael Scucuglia





Todo consultor, ou pelo menos a maioria deles, possui o hábito de escrever artigos, textos, livros, resenhas, teses, colunas e outros materiais cujos conteúdos são comumente compostos por temas de sua especialidade. Um consultor de TI geralmente escreve sobre Tecnologia da Informação. Consultores de RH têm o hábito de produzirem materiais relacionados à Gestão de Pessoas. Este também é o meu caso.



Embora este texto, em particular, não se refira a isso, tomo a liberdade de abrir aspas e vangloriar os profissionais que assim agem. A “consultoria” faz parte do “mercado da ajuda” e, de forma a registrar o conhecimento e conclusões adquiridas e disseminar os temas de sua especialidade, é de vital importância que os consultores compartilhem seus pontos de vista por meio de mídia escrita.



Voltando ao objetivo desta narrativa: embora seja muito comum lermos textos técnicos e teóricos elaborados por consultores, são raras as matérias relacionadas ao tema “consultoria” em si. Quando existem, ou são produzidos por jornalistas, relatando tendências de mercado e aspectos relacionados a este nicho de atuação, ou por cientistas e professores, estudando aspectos relacionados ao serviço. Consultor falando de consultoria – pouco comum.



Talvez essa lacuna nas atividades de fomento seja uma das causas da reduzida participação do Brasil no mercado global de consultoria. Segundo dados do IBCO (Instituto Brasileiro dos Consultores de Organização), o Brasil responde por cerca de 0,4% do mercado mundial de consultoria. A América Latina toda responde por 2% (dados de 2000). É muito pouco.



Buscarei, de modo resumido, explanar minha opinião (como consultor, baseado em minhas experiências) acerca deste cenário, das possíveis causas que levam à baixa movimentação e dos principais aspectos mercadológicos que fazem com que o consultor não seja visto, na maioria das vezes, como um profissional importante para o sucesso das organizações.



Historicamente, a atividade de consultoria nasceu por meio de especialistas em áreas contábeis e jurídicas. Engenheiros, advogados e contadores começaram a atuar como agentes externos, detentores de um conhecimento específico, e auxiliavam as empresas na resolução dos problemas originados no processo de expansão. Eram as Accounting Firms. Durante o século XX, novos adventos ampliaram as frentes de atuação dos consultores: as transformações no espaço contábil, as idéias de gestão empresarial japonesas, as normatizações e a Tecnologia da Informação são exemplos de novas “especialidades” que demandaram serviços de consultoria.



Este cenário, no entanto, tem-se construído de maneira desorganizada. Embora o IBCO divulgue um modelo universal de competências e conhecimentos para a atividade de consultoria (adaptado de “The Common Body of Knowledge”, do ICMCI e IMC – USA), não existe no Brasil disseminação contundente de regras e fatores claros que caracterizam as competências necessárias para determinado profissional atuar como consultor. Diferentemente de outras profissões, os cursos de capacitação específicos a esta especialidade são incipientes e pouco valorizados pelo mercado. Se você, leitor, pessoa física, precisar de um médico, contará com os serviços de um profissional formado em medicina. Se precisar de um dentista, consultará uma pessoa preparada para tal fim. Mas, se sua empresa, pessoa jurídica, precisar de um auxílio em determinada área, não saberá exatamente que tipo de profissional precisará contratar.



Muitos profissionais extremamente experientes em determinada área, com um nível de especialização diferenciado e cujos projetos desenvolvidos como funcionários de grandes empresas tenham sido bem sucedidos, acabam tornado-se consultores autônomos e atuando em projetos de “consultoria” de maneira inadvertida. Não que esse fator seja uma falácia, mas é um retrato de uma profissão sem regulação, sem critérios de qualificação disseminados e sem mecanismos de credenciamento reconhecidos pelo mercado.



Não estou aqui criticando os consultores com estas características, pois muitos deles são extremamente competentes e contribuem para o desenvolvimento da atividade de consultoria. Muito menos estou defendendo uma regulação maior para a atividade (a exemplo dos profissionais de direito, por exemplo). Não creio que esse seja o caminho. O que precisaria acontecer é o mercado reconhecer que consultoria não é commodity, que existem diferentes tipos de capacitação e profissionalismo, que existem metodologias diversas para a prestação do serviço e, assim como qualquer outro serviço, existem sim critérios objetivos para avaliar a competência da consultoria que contrata.



Atualmente, sob esse ponto de vista, já existem alguns esforços para tentativa de qualificação e diferenciação da atividade de consultoria. A Norma NBR ISO 10019 é um exemplo disso. Seu objetivo é fornecer diretrizes para a seleção de consultores de sistemas de gestão da qualidade e uso de seus serviços. Trata-se de uma boa iniciativa, mas ainda é muito pouco.



O fato é que muitos destes profissionais que se auto rotulam “consultor” prestam serviços de “consultoria” ineficazes e acabam contribuindo negativamente para a imagem da consultoria no país. Para se ter uma idéia, segundo o IBCO, apenas 3,6% dos clientes de consultoria utilizam o critério “formação dos consultores” como requisito de contratação.



Neste ínterim, acredito que a solução seja um maior reconhecimento do mercado pelas certificações de profissionais, emitidos por entidades competentes. Já estão disponíveis no Brasil os primeiros MBAs de Consultoria. O IBCO oferece a possibilidade de certificação CMC (Certified Management Consultant). O problema é que os clientes de consultoria ainda não valorizam tais certificações como gostaríamos que o fizessem.



E é nesse ponto que entra o outro lado da moeda. Se de um lado da balança existem consultores mal preparados para exercerem função de tamanha responsabilidade, no outro prato estão as empresas que contratam (ou contrataram algum dia) consultoria baseado em aspectos espúrios, que não valorizam os verdadeiros diferenciais para a atividade.



Pensem comigo: consultoria é um negócio desafiador para se especificar. Geralmente o cliente tem nas mãos um problema (ou um desafio), precisando de auxílio externo (especializado) para a sua solução. E só. Toda consultoria que o abordar oferecerá uma solução diferente, com profissionais de diferentes capacitações, com metodologia diferenciada e preços divergentes. A decisão é difícil. Segundo o IBCO, 82% dos clientes contratam consultoria pelo critério “indicação”. Nada mais correto, haja vista configurar um serviço tão intangível.



E uma decisão errada (originário de um mapeamento inadequado do real problema que motivou a contratação da consultoria) resulta em uma prestação de serviço ineficaz, que não atinge os objetivos essenciais e, no limite, “arranha” a imagem do serviço chamado “consultoria”, pois a empresa passará a pensar duas vezes antes de contratar consultoria novamente (afinal, ela teria conquistado resultados semelhantes mesmo sem contratação de alguém externo).



É esse o contexto. Se os consultores pouco auxiliaram, por que contratá-los novamente?



Gostaria, então, de estabelecer uma defesa pró-atuação da consultoria (pelo menos daquelas com seriedade, profissionalismo, capacitação e metodologia capazes de transformar promessas em resultados). E a começarei pelo argumento que considero mais relevante. Trata-se do fato de que os recursos humanos de uma organização precisam focar-se, o máximo possível, no core business da mesma. Se você possui uma empresa de serviços de engenharia, por exemplo, deve investir em esforços voltados à melhoria das atividades de engenharia. E não em outros esforços relacionados, por exemplo, a técnicas de gestão bem pontuais. Isso deve ser terceirizado.



E terceirização de serviços especializados específicos, com um objetivo pontual, significa contratar consultoria.



Neste contexto, sob o ponto de vista que coloquei, a atividade de consultoria possui importância vital para o sucesso de qualquer tipo de organização. Pois a mesma responderia por toda e qualquer atividade que requeira alguma especialização não relacionada com os processos finalísticos da empresa. Se um diretor possuir, atualmente, um desafio específico relacionado a qualquer área de gestão (seja fiscal, de qualidade, administrativa, estratégica, de RH, marketing, de gestão de processos, jurídica, comercial, de TI, etc.), o caminho natural para resolução da problemática envolvida no contexto do desafio seria obter ajuda especializada. Seria contratar serviços de consultoria confiáveis. Essa é a cultura dominante em países desenvolvidos. Ainda estamos aquém desta realidade.



E para mudar nossa cultura, precisamos, urgentemente, que o mercado reconheça e saiba avaliar os serviços de consultoria profissionais, sejam prestados por consultores autônomos ou por empresas de consultoria. É preciso que esta cultura exija credenciamento em atividade de consultoria. Exija ampla capacitação não somente na área a que o consultor se propõe a atuar, mas também capacitação e experiência em atividade de consultoria propriamente dita, para que tal profissional seja capaz de identificar as particularidades dos clientes e conseguir aplicar seu conhecimento de maneira específica a cada necessidade identificada. Exija metodologia de prestação de serviço de consultoria, formalizada e documentada, que garanta a execução do serviço de maneira padronizada.



Enfim, é preciso que o mercado das organizações comece a enxergar a atividade de consultoria como um elemento estratégico para o sucesso organizacional, seja em termos de eficiência ou eficácia. Pois os desafios aos quais me referi são cada vez mais exigentes e presentes em qualquer segmento competitivo. Não podemos mais nos dar o direito de perdermos produtividade em um mundo altamente globalizado, com cada vez menos barreiras protecionistas. Uma organização não pode ter desempenho inferior ao ótimo justificado por lacunas em sua gestão do conhecimento ou em sua capacidade administrativa limitada.



A atividade de consultoria precisa ser o capital intelectual especializado que, complementarmente ao conhecimento dos processos finalísticos e produtos que a própria organização possui, deve incrementar os resultados da gestão organizacional de maneira a atingir os imensos desafios competitivos existentes.



Confesso que o cenário almejado é desafiador. Porém considero essencial para que a atividade profissional seja valorizada e, de fato, as organizações possam incrementar sua gestão da forma necessária.



*Rafael Scucuglia é consultor. Diretor de Operações da Gauss Consulting, empresa de consultoria instrumental e assessoria especializada.

http://www.gaussconsulting.com.br/si/site/11066

Nenhum comentário:

Yo

Minha foto
Especialista no ensino de espanhol para adultos com ênfase no mundo dos negócios, tendo como alunos diversos executivos de empresas de destaque em seus segmentos. Veja mais em https://www.linkedin.com/in/ivancuadratus/